(imagem IA)
Em 2024, o Brasil registrou mais de 6,6 milhões de casos prováveis de dengue, resultando em mais de 6.000 mortes, 300% mais do que 2023 ambos os números recordes na série histórica.
Até 11 de janeiro de 2025, foram notificados 16.299 casos prováveis de dengue, com 16 óbitos em investigação.
O sorotipo 3 da dengue, que não circulava amplamente no Brasil há mais de uma década, ressurgiu em 2024, causando preocupação entre as autoridades de saúde devido à baixa imunidade da população a esse sorotipo.
Em janeiro de 2025, o Rio de Janeiro confirmou o primeiro caso de dengue tipo 3 no estado desde 2007.
O setor jurídico é um dos pilares para o controle da endemia da dengue. Ao assegurar que leis sejam cumpridas, que políticas públicas sejam implementadas e que direitos fundamentais sejam protegidos, ele pode desempenhar um importante e decisivo papel na luta contra essa doença.
No entanto, a vitória contra a dengue não depende apenas das leis. É preciso que toda a sociedade, incluindo cidadãos, empresas e governos, colabore ativamente, eliminando criadouros e seguindo as orientações sanitárias. O direito é uma ferramenta poderosa, mas a prevenção e a conscientização são os verdadeiros motores dessa batalha.
É viável organizar o atendimento aos pacientes com dengue de maneira eficiente, assegurando a redução de complicações e a prevenção de óbitos. A sinergia entre planejamento bem estruturado, capacitação contínua dos profissionais de saúde e o engajamento ativo da comunidade configura-se como o alicerce fundamental para o êxito no enfrentamento da endemia.
O Papel do Setor Jurídico no Controle da Dengue
A dengue, além de ser um problema de saúde pública, é também uma questão legal e social que requer a atuação integrada de diversas áreas, incluindo o setor jurídico. O combate à endemia não se limita às ações de prevenção e tratamento realizadas pelo sistema de saúde; envolve também um conjunto de medidas legais e institucionais para garantir o cumprimento de políticas públicas, a responsabilização de agentes negligentes e a proteção dos direitos fundamentais da população.
A Conexão Entre Direito e Saúde Pública
O setor jurídico tem um papel estratégico no controle da dengue, garantindo que os deveres constitucionais do Estado e os direitos dos cidadãos sejam respeitados. A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 196, estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, assegurado por meio de políticas públicas que promovam o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde.
No contexto da dengue, isso inclui:
- Criação e regulamentação de leis preventivas: Assegurar que existam normas que obriguem a eliminação de criadouros do mosquito Aedes aegypti, estabelecendo penalidades para quem descumprir essas regras.
- Fiscalização e sanções: Atuar para que o poder público e a sociedade civil sejam devidamente responsabilizados em caso de negligência, como terrenos abandonados ou empresas que criem condições para a proliferação do mosquito.
- Judicialização em casos de omissão do Estado: Quando o governo falha em adotar medidas eficazes para combater a dengue, o setor jurídico pode intervir por meio de ações judiciais, exigindo, por exemplo, a implementação de campanhas educativas, o fornecimento de medicamentos ou a ampliação dos serviços de saúde.
Instrumentos Legais no Combate à Dengue
O setor jurídico dispõe de várias ferramentas para atuar no controle da endemia, incluindo:
- Ações civis públicas: Instrumentos que permitem ao Ministério Público, associações ou outros entes representarem os interesses coletivos, buscando, por exemplo, obrigar o governo a intensificar ações de controle da dengue.
- Mandados de segurança: Garantem que cidadãos possam exigir judicialmente o cumprimento do direito à saúde em casos de omissão ou falha no atendimento médico.
- Ações populares: Permitem que qualquer cidadão questione judicialmente atos administrativos que comprometam a saúde pública, como a falta de políticas de combate ao mosquito transmissor.
- Responsabilização por danos ambientais: A dengue também é uma questão ambiental. O artigo 225 da Constituição assegura o direito a um meio ambiente equilibrado, e a negligência no controle do vetor pode ser interpretada como uma violação desse direito.
Prevenção e Mobilização Social: Papel Complementar do Direito
O setor jurídico também contribui para fortalecer campanhas de conscientização e mobilização social. Por meio de normas claras e bem divulgadas, é possível envolver a sociedade no combate à dengue. A legislação, por exemplo, pode:
- Determinar multas administrativas para imóveis que acumulam água parada.
- Regulamentar o uso de recursos públicos em campanhas educativas e mutirões de limpeza.
- Incentivar a participação ativa de empresas e cidadãos na eliminação de criadouros.
Além disso, o setor jurídico pode orientar as ações do poder público, garantindo que as campanhas sejam realizadas com transparência e que os recursos destinados ao controle da dengue sejam utilizados de forma eficiente.
Responsabilização em Casos de Negligência
Em situações de descaso ou negligência, o setor jurídico é indispensável para a responsabilização dos culpados. Exemplos incluem:
- Empresas: Caso não adotem medidas para evitar a formação de criadouros, podem ser responsabilizadas administrativa, civil ou até penalmente.
- Proprietários de imóveis: A legislação local pode determinar a responsabilização de proprietários que permitam o acúmulo de água parada em suas propriedades.
- Governo: Em situações de omissão grave, como a ausência de políticas públicas eficazes, o Estado pode ser responsabilizado judicialmente por danos à população, incluindo ações indenizatórias.
Direito Penal e Saúde Pública
Em casos extremos, o direito penal pode ser aplicado para coibir comportamentos que coloquem a saúde pública em risco. Por exemplo:
- Crimes contra a saúde pública: Pessoas ou empresas que deliberadamente favoreçam a proliferação do mosquito podem ser enquadradas por crime de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal).
- Homicídio culposo: Em situações em que a negligência resulte em mortes, pode haver responsabilização penal, desde que comprovada a relação entre a conduta e o resultado.
Colaboração do Setor Jurídico com Outras Áreas
O combate à dengue exige um esforço conjunto entre o setor jurídico e outras áreas, como saúde, educação e meio ambiente. Advogados, promotores e juízes podem atuar em parceria com:
- Órgãos de vigilância sanitária: Para garantir a fiscalização e a aplicação das leis.
- Prefeituras e estados: Na elaboração de normas locais específicas para o controle do mosquito.
- ONGs e associações comunitárias: No fortalecimento da conscientização e no acesso à justiça para populações vulneráveis.
Organização dos Serviços de Saúde no Atendimento à Dengue
A estruturação adequada dos serviços de saúde é essencial para oferecer atendimento eficaz e salvar vidas durante surtos de dengue. Isso exige planejamento, preparação e recursos bem alocados. A normatização de fluxos, a criação de protocolos de atendimento, a disponibilização de materiais e equipamentos, o treinamento de equipes e a atualização constante de boletins epidemiológicos são elementos fundamentais para enfrentar a doença de forma organizada.
A preparação do sistema de saúde deve garantir que os pacientes com dengue sejam atendidos de maneira apropriada, evitando complicações e mortes.
Orientações Gerais para Organização dos Serviços
- Priorização da Atenção Básica:
o A APS deve ser a porta de entrada principal para casos suspeitos de arboviroses, como a dengue.
- Preparação dos Serviços de Saúde:
o Garantir que as unidades de saúde estejam prontas para atender casos suspeitos de forma adequada.
- Capacitação de Profissionais:
o Habilitar equipes de enfermagem para realizar triagem e classificação de risco de forma eficaz.
o Identificar precocemente formas graves da doença e encaminhar os pacientes para consulta médica de acordo com a classificação de risco.
- Reorganização do Atendimento:
o Ajustar o atendimento programático das unidades, reduzindo consultas agendadas e ampliando vagas diárias em caso de aumento de casos suspeitos na área.
- Garantia de Recursos e Insumos:
o Assegurar a disponibilidade de insumos, como materiais para exames, medicamentos e equipamentos, otimizando custos e evitando prejuízos financeiros.
- Apoio Diagnóstico:
o Ampliar a capacidade de diagnósticos e outros exames conforme os protocolos de manejo clínico.
- Planejamento Multidisciplinar:
o Planejar o trabalho da equipe multidisciplinar para o manejo integrado dos casos de dengue.
- Comunicação com a Comunidade:
o Estabelecer canais de comunicação e divulgar informações periódicas sobre a evolução dos casos e medidas preventivas.
o Motivar a comunidade a participar de ações de prevenção, como a eliminação de criadouros do mosquito.
Ações Adicionais para Eficiência no Atendimento
- Educação Permanente: Capacitar continuamente os profissionais de saúde para uma resposta ágil em áreas de maior risco.
- Engajamento Social: Estimular a população a participar de fóruns, debates e comitês relacionados às arboviroses.
- Notificações: Garantir o registro e a comunicação dos casos suspeitos por meio de sistemas como o Sinan Online.
- Fluxos de Referência e Contrarreferência: Criar fluxos claros para garantir o trânsito de informações entre especialidades e níveis de atenção, promovendo o cuidado integral.
Requisitos de Infraestrutura para Unidades de Referência
- Horários de Atendimento: Disponibilizar atendimento 24 horas por dia, inclusive em fins de semana e feriados.
- Laboratórios: Preferencialmente, contar com laboratório próprio para exames clínicos. Caso contrário, organizar coleta, transporte e retorno rápido dos resultados.
- Transporte de Pacientes: Garantir acesso a sistemas de transporte para serviços de maior complexidade.
- Estrutura Física: Disponibilizar ao menos duas salas — uma para triagem e outra para terapia de reidratação oral e/ou venosa.
Sistema de Alerta de Casos Graves de Dengue
A implementação de um Sistema de Alerta para Casos Graves é crucial para enfrentar os desafios da dengue. Ao integrar tecnologias inovadoras, como sistemas de monitoramento em tempo real, e fomentar a colaboração entre profissionais de saúde, é possível melhorar a resposta aos casos graves. Essas ações, além de salvarem vidas, fortalecem a capacidade do sistema de saúde em proteger a população durante surtos.
Dra. Vera Lucia Gomes de Andrade é médica, Epidemiologista da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Sanitarista da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SESRJ). Especializada em Saúde Pública (RQE 48531), Hansenologia (RQE 41306) e Doenças Infecto-Parasitárias (RQE 694), com mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Membro do Conselho Nacional dos Peritos Judiciais da República Federativa do Brasil – Telefone: (21) 985 31 31 34 – contato@periciasgomesdeandrade.com.br