Direito MédicoRecusa Vacinal, Autonomia Individual e Saúde Coletiva: Limites Constitucionais no Estado Democrático de Direito

1 de julho de 20250

                                                                                                                                                                                                                                                 (imagem IA)

A vacinação é mais do que uma decisão pessoal — é um pacto constitucional pela vida coletiva.

Nos últimos anos, a recusa à vacinação ganhou força como forma de exercício da autonomia individual .

No entanto, em um Estado Democrático de Direito, o exercício de liberdades não pode comprometer bens jurídicos fundamentais, como a saúde pública e a vida de terceiros.

A Constituição Federal de 1988 assegura, no artigo 5º, o direito à liberdade, mas também estabelece, nos artigos 6º e 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Nesse equilíbrio delicado entre direitos e deveres, a vacinação obrigatória surge como medida legítima, especialmente em contextos de risco epidemiológico.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs 6586 e 6587 de 17 de dezembro de 2020, reafirmou que o Estado pode impor a vacinação obrigatória, desde que observados critérios de legalidade, proporcionalidade e razoabilidade. Não se trata de vacinação forçada, mas de condicionar direitos e acessos em nome do bem coletivo.

Recusar vacinas, em meio a surtos ou pandemias, não é apenas um gesto individual. É uma ação com externalidades negativas que colocam em risco a coletividade — especialmente crianças, idosos e pessoas com contraindicação médica. A liberdade de um cidadão não pode significar a exposição de outro à morte evitável.

A doutrina de Robert Alexy é útil aqui: quando princípios constitucionais colidem (como liberdade e vida), é preciso ponderar. E, em casos como o da vacinação, prevalece a proteção da saúde pública, porque o dano potencial da omissão é incomensurável.

Além disso, o fenômeno da desinformação — com o avanço de fake news e discursos negacionistas — exige ação proativa do Estado. Campanhas educativas, fiscalização de conteúdo e responsabilização de agentes que propagam desinformação sanitária são não apenas legais, mas essenciais à proteção da democracia.

O direito à vacinação não é um privilégio, mas uma expressão da dignidade humana. É um dever sanitário com base constitucional, fundamentado na solidariedade e na justiça distributiva.

Em última instância, proteger a saúde coletiva é proteger a liberdade em sua forma mais nobre: aquela que reconhece o outro como sujeito de direitos igualmente dignos.

Material Consultado

Constituição Federal de 1988, arts. 5º, 6º e 196.

  • STF. ADI 6586/DF e ADI 6587/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
  • ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Malheiros, 2008.
  • GARRAFA, Volnei; GUILHEM, Dirce. Bioética de Intervenção. LetrasLivres, 2007.
  • SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Sociais e Controle Judicial das Políticas Públicas. Malheiros, 2008.

Fonte: Dra. Vera Lucia Gomes de Andrade – médica, aposentada como Epidemiologista da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Sanitarista da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SESRJ). Especializada em Saúde Pública (RQE 48531), Hansenologia (RQE 41306) e Doenças Infecto-Parasitárias (RQE 694), com mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Membro do Conselho Nacional dos Peritos Judiciais da República Federativa do Brasil – Telefone: (21) 985 31 31 34

 

 

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