Direito MédicoINFECÇÃO HOSPITALAR: O DIREITO DA MEDICINA NA PROTEÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA E DOS PACIENTES

6 de maio de 20250

(imagem IA)

As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS), popularmente conhecidas como infecções hospitalares, são um dos maiores desafios da saúde pública em todo o mundo. Elas ocorrem quando um paciente contrai uma infecção durante sua internação ou durante um procedimento médico, tornando-se uma complicação grave e, muitas vezes, fatal.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 10% dos pacientes hospitalizados, em países com população de média e baixa renda, desenvolve algum tipo de infecção durante a internação, aumentando a morbimortalidade e os custos hospitalares (WHO, 2022).

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estima que aproximadamente 14% das infecções hospitalares resultam em óbito, tornando-se uma questão de extrema relevância tanto para a saúde pública quanto para o setor jurídico (Anvisa, 2023).

Além do impacto na saúde dos pacientes, as infecções hospitalares elevam significativamente os custos dos serviços de saúde, aumentam a necessidade de uso de antibióticos e contribuem para disseminar bactérias multirresistentes. O problema, entretanto, não se restringe ao âmbito médico. O setor jurídico desempenha um papel fundamental na criação, fiscalização e aplicação de normas que garantem um ambiente hospitalar seguro, sendo o Direito da Medicina uma ferramenta essencial para proteger os pacientes e responsabilizar hospitais e profissionais de saúde em casos de negligência.

Infecção hospitalar: uma ameaça persistente

As infecções hospitalares são aquelas adquiridas após a admissão do paciente e não estavam presentes ou incubadas no momento da internação. Elas podem ser causadas por bactérias, vírus ou fungos e são especialmente comuns em pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), submetidos a cirurgias ou em uso de dispositivos invasivos, como cateteres e ventilação mecânica.

Principais tipos de infecção hospitalar

Entre as infecções hospitalares mais comuns, destacam-se:

  • Infecção da corrente sanguínea associada a um cateter central: ocorre quando bactérias entram na corrente sanguínea por meio do cateter.
  • Pneumonia associada à ventilação mecânica: uma das infecções mais graves, causada pela colonização bacteriana nos pulmões de pacientes entubados.
  • Infecção do trato urinário associada a um cateter: comum em pacientes que necessitam de sondas urinárias por longos períodos.
  • Infecção de sítio cirúrgico: acontece quando há contaminação da ferida operatória, podendo levar a complicações severas.

Estudos indicam que aproximadamente 70% das IRAS poderiam ser prevenidas por meio de medidas eficazes de higiene, treinamento de profissionais e fiscalização rigorosa (WHO, 2022).

No entanto, falhas no cumprimento de protocolos básicos de segurança continuam sendo um grande problema, agravado pela superlotação hospitalar, escassez de insumos e resistência microbiana causada pelo uso indiscriminado de antibióticos.

As consequências são alarmantes: internações prolongadas, maior risco de complicações e aumento dos custos médicos. Além disso, a disseminação de bactérias resistentes compromete a eficácia dos tratamentos disponíveis, tornando-se uma preocupação crescente para a saúde pública global.

O papel do Direito na prevenção das IRAS

A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 196, estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, assegurado mediante políticas públicas que garantam a redução de riscos e o acesso universal à assistência médica (Brasil, 1988). No contexto das infecções hospitalares, a responsabilidade é compartilhada entre o Estado, as instituições de saúde e os profissionais médicos.

 Responsabilidade dos Hospitais e do Estado

Hospitais, sejam públicos ou privados, são obrigados a adotar medidas rigorosas de prevenção, conforme determina a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 36/2013, da Anvisa, que exige a existência de Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). Caso haja falha na aplicação dessas normas, o hospital pode ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo paciente, incluindo:

  •  custos médicos adicionais decorrentes do tratamento da infecção adquirida;
  • indenização por danos morais e materiais, caso a infecção resulte em agravamento da saúde ou morte;
  • sanções administrativas, como multas ou até interdição do estabelecimento.

 Responsabilidade dos profissionais de saúde

Médicos e enfermeiros também podem ser responsabilizados por negligência, imprudência ou imperícia. O Código de Ética Médica exige que os profissionais sigam protocolos rigorosos para evitar infecções. Caso haja comprovação de falha na conduta médica, o profissional pode ser penalizado com suspensão, cassação do registro ou até responder criminalmente por lesão corporal culposa ou homicídio culposo, conforme o Código Penal (Brasil, 1940).

Direitos dos pacientes e a judicialização da saúde

Pacientes que adquiriram infecções hospitalares podem buscar a Justiça para garantir seus direitos. Entre as principais medidas jurídicas estão:

  • Ações civis públicas, que podem ser movidas pelo Ministério Público em casos de surtos ou negligência coletiva.
  • Mandados de segurança, quando o paciente não recebe o tratamento adequado pelo hospital ou pelo Estado.
  • Processos de indenização, quando há comprovação de que a infecção foi causada por falha no atendimento.

Medidas preventivas e o papel da sociedade

A prevenção das IRAS envolve um conjunto de medidas essenciais para garantir a segurança dos pacientes. Segundo o Manual de Limpeza e Desinfecção de Superfícies, da Anvisa (2010), a correta higienização dos ambientes hospitalares é um dos pilares para o controle dessas infecções.

Principais medidas preventivas

  1. Higienização das mãos: recomendada pela OMS antes e depois do contato com cada paciente.
  2. Limpeza e desinfecção de superfícies: protocolos rígidos devem ser seguidos para evitar contaminação.
  3. Uso racional de antibióticos: evitar a prescrição excessiva reduz a proliferação de superbactérias.
  4. Capacitação dos profissionais de saúde: treinamentos frequentes são essenciais para garantir a adesão às práticas seguras.
  5. Monitoramento contínuo: hospitais devem manter estatísticas atualizadas e implementar melhorias constantes.

Conclusão

As infecções hospitalares representam um grave problema de saúde pública, mas podem ser prevenidas com ações eficazes e fiscalização rigorosa. O Direito da Medicina desempenha um papel crucial ao garantir que normas sejam cumpridas, proteger os direitos dos pacientes e responsabilizar aqueles que falham em fornecer uma assistência segura.

Na próxima matéria desta série, abordaremos um dos aspectos mais críticos das infecções hospitalares: a resistência antimicrobiana e suas implicações legais. Como o uso inadequado de antibióticos está impactando a saúde pública? Quais medidas jurídicas podem ser adotadas para mitigar essa ameaça?

 

Autora: Dra. Vera Lucia Gomes de Andrade, médica, Epidemiologista da OMS e Sanitarista da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SESRJ), especializada em Saúde Pública (RQE 48531), Hansenologia (RQE 41306) e Doenças Infecto-Parasitárias (RQE 694), com mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Membro do Conselho Nacional dos Peritos Judiciais da República Federativa do Brasil

contato@periciasgomesdeandrade.com.br

 

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