(imagem IA)
Os transtornos mentais entre adolescentes configuram, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um grave problema de saúde pública, responsável por 15% da carga global de morbidade e uma das principais causas de morte na faixa etária de 15 a 29 anos. O suicídio, os quadros depressivos, a automutilação e os distúrbios de conduta se alastram de forma silenciosa, com impactos profundos na escolaridade, na convivência familiar e no futuro das juventudes. Diante desse cenário, o Direito da Medicina emerge como campo estratégico de atuação jurídica e normativa para reduzir esses riscos e responsabilizar as omissões institucionais.
A saúde mental, enquanto dimensão da integridade física e psíquica do sujeito, é protegida diretamente pelos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal: o direito à vida, à saúde, à dignidade humana e à proteção integral da criança e do adolescente (CF, art. 6º, e art. 227). Negligenciar o sofrimento psíquico juvenil, portanto, não é apenas uma falha de gestão pública – é uma violação constitucional. É nessa interseção que atua o Direito da Medicina.
Como subárea especializada do Direito da Saúde, ele fornece as bases para regulamentar condutas médicas, estabelecer deveres éticos, garantir acesso à assistência, e impor obrigações ao Estado e às instituições. Sua atuação contribui para consolidar a escuta qualificada, o atendimento ético, o acolhimento humanizado e a presença de profissionais preparados nas redes de saúde e educação. É por meio dele que se reconhece, por exemplo, o dever do Estado em manter Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (CAPS-i), garantir psicólogos nas escolas (Lei n.º 13.935/2019), assegurar o sigilo e o consentimento progressivo no atendimento de adolescentes e impedir a medicalização abusiva.
A classificação da saúde mental dos adolescentes como problema de saúde pública pela OMS significa que se trata de um fenômeno de alta prevalência, com impacto coletivo e necessidade de intervenção sistêmica, contínua e intersetorial. Não é um problema privado da família, nem um erro individual: é uma falha social com repercussões nacionais.
Diante disso, o Direito da Medicina pode agir de forma concreta em cinco eixos estratégicos:
(1) garantir acesso gratuito, contínuo e não estigmatizante aos serviços de saúde mental;
(2) responsabilizar civil e administrativamente instituições omissas;
(3) prevenir abusos na prescrição de psicofármacos e na medicalização precoce;
(4) formar os profissionais de saúde em fundamentos jurídicos e éticos do cuidado com adolescentes; e
(5) fomentar políticas públicas com base em dados epidemiológicos, evidência científica e justiça intergeracional.
Não se trata de punir médicos ou escolas, mas de transformar estruturas que ainda tratam o sofrimento psíquico juvenil como invisível. O Direito da Medicina está convocado a atuar como agente ativo de proteção, prevenção e reparação. Quando um adolescente sofre em silêncio, não é ele quem fracassa. Fracassamos todos nós.
Material Consultado:
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OPAS – ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Plan of action for women’s, children’s and adolescents’ health 2018–2030. Washington, DC: OPAS, 2018.
Fonte: Dra. Vera Lucia Gomes de Andrade, médica, aposentada como Epidemiologista da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Sanitarista da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SESRJ). Especializada em Saúde Pública (RQE 48531), Hansenologia (RQE 41306) e Doenças Infecto-Parasitárias (RQE 694), com mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Membro do Conselho Nacional dos Peritos Judiciais da República Federativa do Brasil – Telefone: (21) 985 31 31 34 – contato@periciasgomesdeandrade.com.br