Direito de FamíliaSTJ DECRETA DIVÓRCIO EM JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DE MÉRITO

23 de setembro de 20250

   

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O ditado popular “quando um não quer, dois não brigam” expressa a ideia de que um conflito só se mantém se ambas as partes estiverem dispostas a nele participar.

Em outras palavras, se alguém opta por não responder a provocações ou se recusa a alimentar a escalada da discussão, o desentendimento se encerra. A máxima ressalta, portanto, a responsabilidade individual diante de situações de confronto, evidenciando que a continuidade de uma disputa depende da escolha de ambos em se engajar nela.

A licença poética aqui, com a troca de dois não brigam, para dois não permanecem casados, é fruto do julgamento, pela 3ª Turma do STJ de que é possível a decretação do divórcio em julgamento antecipado de mérito em caráter liminar.

Ou seja: basta um não querer que o divórcio pode ser decretado. Em poucas linhas, isso implica que o divórcio pode ser decretado antes mesmo da citação da parte contrária e sem a necessidade de instaurar o contraditório.

No caso julgado pelo STJ, Recurso Especial (REsp) 2.189.143, o pedido de divórcio foi formulado em ação cumulada com definição de guarda, fixação de alimentos e partilha de bens. A iniciativa partiu da esposa, em razão de episódio de violência doméstica praticado pelo marido.

A questão de direito material foi fundamenta nas alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 66/2010, que eliminou alguns requisitos, como separação judicial prévia, por mais de um ano, ou de separação de fato, por mais de dois anos, para a decretação do divórcio. A partir daí, consolidou-se o entendimento de que o divórcio configura verdadeiro direito potestativo.

A natureza potestativa do divórcio não suscita controvérsias relevantes há bastante tempo. Desde então, basta a manifestação de vontade de um dos cônjuges, competindo ao outro apenas se submeter à decisão.

A discussão jurisprudencial concentrou-se, sobretudo, na definição do momento processual adequado para sua decretação e nos requisitos procedimentais necessários para sua efetivação.

E aqui entra o Direito Processual Civil. Uma técnica processual escondida, indicada em apenas um artigo do código e pouco utilizada pela advocacia: o julgamento antecipado parcial do mérito [1].

Fracionamento da sentença

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, reforçou-se o movimento de reforma voltado à busca por uma decisão judicial não apenas célere, mas também efetiva. Exemplo disso é o artigo 4º, que, em consonância com a Constituição, assegura às partes o direito de obter, em prazo razoável, a solução integral do processo, compreendida a atividade satisfativa.

É nesse contexto que o artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015 introduz importante inovação: a possibilidade de fracionamento da sentença, rompendo com o antigo dogma da unicidade dos pronunciamentos judiciais — della unità e unicità della decisione —, historicamente defendido por Giuseppe Chiovenda.

Esse instituto se harmoniza com as inovações principiológicas trazidas pelo novo diploma — como os princípios da cooperação, da primazia do julgamento de mérito e da vedação às decisões-surpresa —, bem como com as demais alterações normativas, todas orientadas pelo paradigma do processo civil constitucional.

Ainda que o divórcio frequentemente envolva questões conexas, como partilha de bens, definição de guarda e fixação de alimentos, nada obsta que o seu mérito seja apreciado de forma antecipada e direta, exatamente como prevê o artigo 356.

Não há motivo para que as partes tenham que esperar a resolução da discussão de partilha de bens, guardas dos filhos, não podendo ter o seu divórcio decretado liminarmente, aguardando as questões que necessitam de produção de provas. Assim, nada obsta a decisão parcial definitiva de mérito em relação ao divórcio, vez que os pedidos que poderão ser com ele cumulados não restarão prejudicados.

O tema do julgamento antecipado parcial do mérito foi enfrentado em artigo, publicado aqui mesmo nesta revista eletrônica Consultor Jurídico [2], em que se destacou a necessidade de se assegurarem as garantias constitucionais da duração razoável do processo, com a solução integral do mérito em prazo justo.

Naquela oportunidade, conclui-se que que a tempestividade da tutela jurisdicional constitui valor consagrado pela Constituição da República e que incumbe ao Poder Judiciário utilizar os instrumentos previstos pelo Poder Legislativo para assegurar o efetivo acesso à Justiça. Mais do que o simples direito de provocar a atuação jurisdicional, é essencial garantir às partes a obtenção de uma decisão justa e efetiva, em prazo razoável.

A principal vantagem do divórcio nos casos de julgamento antecipado parcial do mérito, reside no rompimento imediato do vínculo simbólico do casamento, o que favorece a construção de um ambiente mais propício ao diálogo entre as partes acerca das demais questões a serem resolvidas judicialmente.

Em síntese: quem não deseja permanecer casado não pode ser compelido a isso, e o Direito Processual não deve ser instrumentalizado como obstáculo à tutela dos direitos fundamentais.

Entendimento do STJ

O acórdão da 3ª Turma do STJ no REsp 2.189.143/SP representa verdadeiro marco na evolução do Direito de Família brasileiro e até do Direito Processual Civil, ao consolidar, de forma definitiva, o caráter potestativo do divórcio e inaugurar uma nova sistemática processual para sua decretação.

Esse entendimento tende a redefinir os contornos do instituto no ordenamento jurídico, promovendo maior efetividade na tutela dos direitos fundamentais ligados à autonomia da vontade e à dignidade da pessoa humana.

A possibilidade de decretação do divórcio, por meio do julgamento antecipado parcial de mérito, revela-se compatível com as demandas de uma sociedade que busca soluções mais céleres e eficientes para os conflitos familiares, sem prejuízo das garantias processuais essenciais.

Fonte: CONJUR – matéria do advogado Arthur Bobsin de Moraes.

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