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Introdução
As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são um dos maiores desafios para os sistemas de saúde no Brasil e no mundo. Além de aumentarem a mortalidade e morbidade dos pacientes hospitalizados, elas representam um alto custo financeiro para hospitais e governos.
Nos Estados Unidos, os custos médicos diretos das IRAS variam entre US$ 35,7 e US$45 bilhões por ano, enquanto na Europa esse impacto econômico chega a € 7 bilhões. No Brasil, um estudo demonstrou que o custo diário de um paciente com IRAS pode ser 55% maior do que o de um paciente sem infecção.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável por normatizar e fiscalizar a aplicação de medidas preventivas contra IRAS nos hospitais brasileiros. No entanto, a fiscalização sanitária ainda enfrenta desafios, como falta de pessoal, subnotificação de casos e ausência de um sistema nacional eficiente para detecção de surtos.
O Direito da Medicina desempenha um papel essencial nesse contexto, pois garante que as normas sanitárias sejam aplicadas e que hospitais e profissionais de saúde sejam responsabilizados em casos de falhas no controle de infecções.
O papel da Anvisa na regulação das infecções hospitalares
A Anvisa é o principal órgão regulador da fiscalização sanitária no Brasil. Suas principais ações incluem:
- Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n.º 36/2013 – Regulamenta o Plano de Segurança do Paciente, tornando obrigatória a criação das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIHs) nos hospitais.
- Plano Nacional de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (PNPCIRAS 2021-2025) – Define metas nacionais para a redução das IRAS, fiscalização sanitária e monitoramento epidemiológico.
- Fiscalização e penalidades – A Anvisa realiza inspeções sanitárias, podendo aplicar multas e interdições a hospitais que descumprem as normas.
Desafios da fiscalização sanitária das IRAS
Apesar da regulamentação, a fiscalização sanitária das IRAS enfrenta diversos desafios no Brasil, a saber:
- Baixa frequência de inspeções sanitárias: muitos hospitais não passam por fiscalizações regulares devido à falta de pessoal nos órgãos de vigilância sanitária estaduais e municipais.
- Subnotificação de infecções hospitalares: muitos hospitais não notificam corretamente os casos de IRAS, dificultando a formulação de políticas públicas eficazes.
- Ausência de um Plano Nacional para Detecção de Surtos: atualmente, não há um sistema nacional padronizado para identificar surtos rapidamente, comprometendo a resposta das autoridades sanitárias.
- Superlotação hospitalar: hospitais com grande demanda enfrentam dificuldades para seguir protocolos rigorosos de controle de infecção, aumentando o risco de surtos.
Penalidades para hospitais que descumprem normas sanitárias
Hospitais que descumprem as normas de prevenção de infecção hospitalar podem sofrer sanções administrativas, civis e penais:
- Sanções administrativas – A Anvisa pode aplicar multas, interdições sanitárias e suspensão de atividades para hospitais que não cumprem a RDC n.º 36/2013.
- Responsabilidade civil – Pacientes que adquirem IRAS por negligência podem processar hospitais por danos morais e materiais, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990).
- Responsabilidade penal – Profissionais de saúde e gestores hospitalares podem ser responsabilizados por lesão corporal culposa (art. 129) e homicídio culposo (art. 121) do Código Penal.
Conclusão
A fiscalização sanitária é fundamental para reduzir as IRAS, mas enfrenta desafios estruturais no Brasil. O Direito da Medicina deve atuar para reforçar a responsabilização de hospitais e profissionais de saúde negligentes, garantindo que as normas sejam efetivamente aplicadas.
A Anvisa e os órgãos estaduais e municipais precisam: fortalecer suas estratégias de fiscalização, implementar um sistema eficiente para detecção precoce de surtos e ampliar a transparência nos dados sobre infecção hospitalar.
Nesse cenário, a implementação eficaz dessas medidas pode reduzir significativamente a incidência das IRAS e melhorar a segurança dos pacientes nos serviços de saúde.
Material consultado
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Programa Nacional de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (2021-2025). Brasília: Anvisa, 2021.
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada n.º 36, de 25 de julho de 2013. Institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde e dá outras providências. Brasília: Anvisa, 2013. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2013/rdc0036_25_07_2013.html. Acesso em: 16 mar. 2025.
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BRASIL. Portaria n.º 2.616, de 12 de maio de 1998. Regulamenta o Programa de Controle de Infecção Hospitalar. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt2616_12_05_1998.html. Acesso em: 21 fev. 2025.
WHO – World Health Organization. Global report on infection prevention and control. Geneva: WHO, 2022.
Autora: Dra. Vera Lucia Gomes de Andrade, médica, Epidemiologista da OMS e Sanitarista da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SESRJ), especializada em Saúde Pública (RQE 48531), Hansenologia (RQE 41306) e Doenças Infecto-Parasitárias (RQE 694), com mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Membro do Conselho Nacional dos Peritos Judiciais da República Federativa do Brasil
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